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Possível extradição de Jesús Santrich para os EUA ameaça processo de paz na Colômbia
Justiça Especial para Paz decidirá futuro de ex-guerrilheiro que passa por processo jurídicio cheio de irregularidades
Mariana Ghirello / sexta-feira 13 de abril de 2018
 
Foto: Dick Emmanuelsson.

A Justiça Especial para a Paz terá por sua primeira prova de fogo desde que foi criada em março deste ano. O Tribunal especial integra os “Acordos de Havana” e tem a responsabilidade de julgar os crimes que estão relacionados ao conflito armado colombiano, colaborar na construção da memória e verdade e na reparação das vítimas do conflito. Mas um pedido de prisão e extradição feito por uma corte de Nova York (EUA) provocou o debate sobre a segurança jurídica dos acordos de paz.

Nesta última segunda-feira (12), Jesús Santrich integrante da direção do partido FARC (Força Alternativa Revolucionária do Comum) foi detido em sua casa em Bogotá, capital da Colômbia. Ele, assim como outros ex-combatentes, assinaram uma ata na ocasião da entrega das armas na qual se comprometem a comparecer a esta corte especial para contar a verdade sobre os crimes de guerra, e assim, e construir a Memória e Verdade, em troca benefícios jurídicos.

“Estamos frente a iminente extradição de um ex-comandante da FARC-EP [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia - Exército do Povo, nome da organização antes do acordo de paz], que atualmente compõe a direção nacional da FARC e que seria candidato ao parlamento pelo partido. Insistimos, este é um fato sumamente grave e esperamos poder reverter esta situação”, afirmou o advogado, e também integrante das FARC, Manuel Garzón em entrevista ao Brasil de Fato

Para ele, “em qualquer caso, a Justiça Especial para a Paz é competente para verificar efetivamente se o caso de Santrich tem relação ou não com o conflito. E quem deve determinar isso e quem deve estabelecer de quem é a competência - caso algo tenha acontecido após o prazo estipulado - e encaminhá-lo para a justiça comum é a Justiça Especial para a Paz”.

Se os juízes do Tribunal especial decidirem que o caso dele não possui relação com o conflito armado, ele passará a ser um réu comum. Depois de terminado o processo jurídico que envolve o pedido extradição, quem dá a palavra final é o presidente colombiano Juan Manuel Santos.

Em uma coletiva de imprensa, Santos afirmou que se comprovado o crime após a assinatura do acordo de paz, não irá titubear em autorizar a extradição. “Não irei extraditar ninguém por crimes cometidos antes da assinatura do acordo de paz. Agora, se cumprido o devido processo, com provas irrefutáveis e existindo a possibilidade de extradição, minha mão não tremerá em autorizá-la”, adiantou o presidente.

Paz ameaçada

Jesús Santrich que integra a direção do novo partido e a Comissão de Verificação do cumprimento do acordo foi acusado pela justiça norte-americana de conspiração para o narcotráfico. Não é a primeira vez que o governo colombiano assina um acordo contra a extradição e não cumpre. Em 2009, após um acordo com grupos paramilitares, o governo aceitou o pedido de extradição de líderes paramilitares.

A senadora pelo partido FARC, Victoria Sandino, lembrou do protagonismo de Santrich nas negociações para a paz durante o encontro em Cuba. “O que está claro é a sabotagem e a implantação de provas falsas que estão fazendo com aqueles que estiveram comprometidos até a alma com este processo, começando por um dos principais negociadores e signatário do Acordo de Paz de Havana. Pode acontecer com cada um de nós. É uma situação muito perigosa que ratifica mais uma vez o que estamos dizendo sobre a insegurança jurídica a que somos submetidos enquanto integrantes da FARC nesta transição [para a vida civil]”, comentou a parlamentar.

A Missão de Verificação da ONU (Organização das Nações Unidas) na Colômbia, afirmou, por meio de uma nota, que está acompanhando o caso da prisão de Jesús Santrich e o andamento da reincorporação dos ex-combatentes a vida civil. O comunicado do órgão internacional lembrou que o acordo de paz aprovado pela Corte Constitucional do país exige a análise dos casos que envolvam os integrantes da FARC primeiro pela Justiça Especial para a Paz. A ONU recomendou também “discernimento nas mudanças porque elas produzem consequências profundas no processo de paz”.

Momento crítico

O investigador do Centro de Pensamento Raizal e colunista do jornal El Espectador 20/20, Camilo Alvarez, criticou o novo posicionamento dos Estados Unidos no processo de paz e do Procurador-geral colombiano.

“Foi criado todo um sistema à luz dos Tratados Internacionais e das Cortes Internacionais que visava estabelecer um sistema específico: a Justiça Especial para a paz. A elite, no entanto, vem tentando bloqueá-la por todos os lados e lugares. Sentimos que o que o procurador fez foi entregar o Judiciário ou a Justiça para os Estados Unidos. É uma espécie de alinhamento com [Donald] Trump e seu posicionamento”.

Alvarez acredita que essa ação demonstra algo do que virá nos próximos meses. “Agora, [Donald] Trump quer voltar a implementar a cultura do narco aqui. A política de [Barack] Obama foi da paz e Trump está construindo novamente uma política baseada na questão do tráfico de drogas”, lamenta.

Para o Secretário-geral do novo partido, Ivan Márquez, o pedido de extradição de um dos dirigentes da FARC coloca em risco os acordos de paz assinados entre o governo colombiano e a antiga guerrilha FARC-EP. O acordo colocou um ponto final em um conflito armado que durou mais de cinquenta anos e deixou um saldo de duzentos mil mortos.

“Este pode ser o pior momento que o processo de paz está atravessando. o governo tem que atuar e impedir que estas artimanhas jurídicas - porque há evidências de provas forjadas - redundem em situações como esta, que geram uma grande desconfiança em todos os guerrilheiros”, finalizou Márquez.